O que nunca foi dito com franqueza sobre as profissões


Profissão é o estado, condição social, papel de um indivíduo que exerce um emprego, ofício ou arte como meio de vida ou ocupação habitual, na qualidade de subordinado ou por conta própria e visando algum tipo de reciprocidade.

Da mesma forma, chama-se profissional uma pessoa que já tem inveterados certos hábitos ou vícios, a saber: “Bêbado profissional”, “Chato profissional”, Ladrão profissional”, “Puxa-saco profissional” e por aí vai.

“Profissão de fé” é uma declaração pública que alguém faz de suas opiniões políticas ou sociais.

É esse sentido lato — que privilegia a rotina, o hábito, a prática usual e metódica de um mister — que adotamos aqui para designar as profissões e as atribuições que a certas criaturas toca cumprir por escolha própria ou pelas inconstâncias da fortuna.

Não estranhe, pois, o leitor encontrar arrolados entre os tradicionais ofícios fabris e as artes criadoras alguns modos de vida cuja inclusão possa parecer inapropriada. É que — pela carga semântica, pelo poder evocativo que têm — seu agente os acolhe de forma tão pacífica e os protagoniza com tão inexcedível zelo, que não podem ser considerados como simples passatempo.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

PSICANALISTA

Vanguardeiro da nova ordem comportamental, para o quê criou uma algaravia pós-moderna destinada a eliminar os atributos essenciais da razão (a começar pela clareza) e instaurar uma abordagem dos fatos enigmática e... bem remunerada.


Comentário
        Sem minhas angústias, culpas, desditas e aflições, deixo de ser quem sou, de decidir por onde vou, e não gosto de ser movido pra lá e pra cá à moda do xadrez. Não sou Sartre, a quem jamais custou enfrentar o que quer que fosse, pois não punha emoções em suas construções e, por causa disso, transferiu o problema para “o outro”. Quero deixar intocadas minhas inquietações, conservar meu lado misterioso, pois, sem ele, perco minha identidade e minhas referências. Imponho-me preservar o quarto vazio de Saint-Exupéry, que “talvez não servisse para nada, a não ser para fazer ressaltar o sentido do segredo” e para dar a entender que não é possível desvendar todas as coisas. Não vou me livrar de meus estigmas; eu próprio sou meu perigo e curto a dor e a delícia de todos os padecimentos que me toca levar ao Calvário.
        A psicanálise apregoa que o sujeito já vem marcado pelos desvios e pelas fixações de seus “circuitos pulsionais”; mas, ao mesmo tempo, sugere a possibilidade de rompimento com esses circuitos “aprisionados” e pretende o relança­mento do indivíduo, sabendo que os desdobramentos dessa ruptura são imprevisíveis e podem ser incontroláveis. É por isso que maldigo o novo homem e abençôo a “prisão”. Como posso eu construir minha cidadela, decorar meu templo se o recomeçar a cada instante? Devo esculpir meu próprio rosto, seja ou não destro em manejar o cinzel, ainda que corte uma orelha, como Van Gogh. Não se trata de escapar à realidade nem simplesmente de sofrê-la em silêncio, mas torná-la tangível, lidar a meu modo com o mundo hostil, através da arte, da literatura, da controvérsia, da luta feroz. Jamais comprar feito.
        A cosmética que vem entalhada no modelo analítico impede o envolvimento com a realidade, esconde a face hostil do mundo, desumaniza, vicia o processo de adaptação desenvolvido durante milhões de anos pelo homem.
        Não hesito em afirmar que o sujeito que se agarra a santos e a psicanalistas é um deslavado pulha. A expiação da culpa pelo álcool, por exemplo, é uma escolha mais decorosa, um processo mais sensato e rápido também, já que, além de divertir-se, o usuário ou paciente desce à cova em menos tempo do que o exigido para o analisando livrar-se de seu tirânico mentor. Isso, quando consegue: pela morte, pela inadim­plência, o que for. No que toca à religião — para não me alongar demais, que o assunto aqui é outro —, aceno com a disparidade entre os tira-gostos consumidos nas respectivas liturgias. Se bem que, para enfrentar a concorrência, os globalizados católicos vêm de lançar padres cantantes, “dominique-nique-niques”, e parece que vêm por aí hóstias à calabresa e outras promoções do gênero.
        Diria, mais, que a psicanálise reflete, ao lado da religião, dos cultos esotéricos, dos chás medicamentosos e das drogas imbecilizantes, a imagem de uma fábrica de felicidades a distribuir bem-estar de laboratório, destinado a fazer prosperar uma cultura prozac de deixa-pra-lá. Sem rebeldia, é impossível criar; sem um mínimo de inconformismo, a arte, a literatura, as manifestações culturais restringir-se-iam a uma bem comportada crônica de amenidades.
        O primor de nonsense bolado por Alan Sokal para desorientar os filósofos vanguardeiros está a calhar para o ramo da cura da alma, em que a clareza é tratada com constrangedor desprezo. O psicanalista seria tão mais brilhante e profundo, quanto mais ininteligíveis seus pareceres. Sem falar nos enigmáticos, é claro, e nos mudos. Dizem, até, que os há bonachões e dorminhocos.
        Fico a imaginar o quanto os recursos e ouropéis dessa mistificação não seduziriam um formando inapetente para encarar a concorrência nas ramificações clínicas que exigem massa de conhecimentos específicos e que dependem de equipamentos sofisticados e caros. E me pergunto se não é atraente a vantagem de eliminar o risco do erro, que fica convenientemente camuflado nas charadas e nos silêncios tumulares. E as tentadoras prebendas?
        De outro modo, quem pode garantir que o processo não esteja eivado, de parte a parte, de cerimônias e formalidades de tal gravidade que tornem o ritual desconfortável, antinatural e ineficaz? Sabe-se que o profissional dessa área não tem por costume recusar clientes, ainda que praticamente todos o consultem por modismo, preguiça, frescura ou pulhice. Também é fato assente que são procurados por pessoas de pouca inteligência, dependentes de clichês, incapazes de municiá-los adequadamente e, muito menos, de aproveitar-lhes — quando dão — qualquer orientação. Mesmo nas hipóteses em que o cliente é razoavelmente articulado e o profissional tem cultura e Q.I. satisfatórios, é necessário algum tempo para identificar e catalogar a causa e a motivação da questão proposta, definir a dinâmica do procedimento e avaliar as possibilidades de êxito. De maneira que a coisa, via de regra, vai caminhando no rumo e ao ritmo daquele bolerão interpretado por Pedro Vargas: "... e assim se passaram dez anos ...".
        O que chamam de reformulação ou fortalecimento do ego tende para o culto excessivo da personalidade, para a busca narcísica (“Você precisa gostar mais de si mesmo”). Daí, para um comportamento mal-educado, agressivo, arbitrário, falta pouco se já não vigora. A absoluta liberdade não é deste mundo. O homem é um animal destruidor. Absolutamente livre, acabaria com tudo.
        Há quem sustente que o afeto é excluído da escuta analítica; que esta se limitaria à leitura do pensamento e da linguagem, o que pode levar à substituição das referências pessoais pelas panacéias disponíveis nos escaninhos pré-classificados, tudo para que o psicanalista possa manter o controle da situação, o fio do discurso. Aqui, o problema se aproxima da análise combinatória.
        Já a terapia de grupo, se guarnecermos o adjunto adnominal de aspas (“de grupo”), a expressão ganha a acepção cínica de “fajuto”, “conversa fiada”, etc ... Presta-se a confusões, por certo.
        Embuste ou mandamento místico que negligencia a realidade?
        Como os integrantes do sistema tornam-se, aos poucos, vultos nebulosos dispersos na torrente do fabulário, desdenho o pudor de projetar sobre o cenário o espectro de minha desconfiada imaginação, e arrogo-me o direito de presumir malícias e ambiguidades. Pois bem: se digo ao psicanalista que sonhei estar possuindo minha própria mãe, dentro de um armário de roupas, ele me conforta com as saudades do útero, com o visceral aconchego. Mas se acrescento que, por três vezes, confessa­da­mente, minha mãe tentou abortar-me, ele me convida a pensar, porque não parece fazer sentido a rejeição. Se me queixo de que meu nome é Roberto porque minha mãe idolatrava Robert Taylor e, por isso, acho que meu pai errou em não lhe ter pespegado uns sopapos, só pra deixar de ser corno, vem ele convencer-me de que é fixação no pai, que devo assumir de vez a homos­sexualidade latente e coisa e tal; que preciso comparecer três vezes por semana, em vez de duas; que o patrocinador do convênio está lhe pagando com dois meses de atraso, se eu não poderia...
        Ora bolas! A gente leva mais de sessenta anos para construir uma neurose sólida, confiável, irretocável vem um cara qualquer e insinua que é preciso reconsiderar, começar tudo de novo, alterar o rumo ... e em apenas nove anos ... E não querem que eu fique tenso?!


PSIQUIATRA
Médico especializado no tratamento de doenças mentais, que se distingue do paciente por possuir a chave do consultório.

Pano rápido
O psiquiatra incentiva o paciente:

— Pode me contar desde o princípio.
— Pois bem, doutor! No princípio eu criei o Céu e a Terra...




SEXÓLOGA

Especialista nas questões pertinentes à atividade sexual, que se baseia nos princípios de que a ausência da hipocrisia é suficiente para conferir dignidade a um ato humano e que não existe fidelidade calcada na nobreza de sentimentos.

Comentário

        Sexólogas proliferam num mercado caótico repleto de charlatões que tratam o paciente pela medicina não tradicional.
        À vista da definição destacada em itálico, essas senhoras não conhecem bem o significado do vocábulo “hipocrisia” ou seu ânimo transgressor tem vínculos exclusivos com Woodstock.

Pano rápido

Algumas dicas de uma sexóloga radical e estressada:

— Tenho vinte anos e não transei ainda por que gostaria de iniciar com um namorado fixo.
— Vai ser difícil. Todos se movem na hora H.

— Posso tomar anticoncepcional, com diarréia?
— Eu tomo com água, mas a opção é sua. Pelo menos use copos descartáveis.

— Tenho um amigo que me deseja, mas ele tem um pênis que mede vinte centímetros. Acho
que vai doer muito — o que faço?
— Manda pra cá, que eu testo pra você.

— Tenho dezoito anos e não transei ainda. Tenho medo de não aguentar a dor.
— Dói tanto, que você vai ficar em coma e nunca mais vai levantar. Deixa de ser fresca e dá de uma vez, ô Cinderela!

Rodapé

“Sexo não tem nada a ver com amor, tanto é que o governo me fode há anos e eu não estou apaixonado por ele” (Vagina Súplice)


MÉDICO

Pano rápido

— Onde você estava? — Pergunta a mãe aflita à meninha.
— No quarto, brincando de médico com o Joãozinho.
— De médico?! — A mãe dá um salto na cadeira.
— Médico do SUS, mãe... ele nem olhou pra minha cara.


HIPOCONDRÍACO

Criatura melancólica que, sabedora das traições cometidas pela esposa, em vez de buscar a devida reparação, corre ao médico, manifestando preocupação com a possível ausência de cálcio no organismo, já que os proverbiais chifres — ao cabo de uma semana — insistem em não se fazer visíveis.



HOMEOPATA

Profissional da medicina que trata as doenças pela aplicação de doses infinitésimas de drogas com nomes estúrdios capazes de produzirem efeitos semelhantes aos sintomas das doenças que se pretendem combater.

Comentário
        No século IV a.C., Hipócrates já afirmava que as doenças desapareciam quando tratadas com a mesma substância que as causava. O alquimista Paracelso, no século XV, usou esse processo para tentar curar seus pacientes. Christian Friedrich Hahnemann, por volta de 1800, sistematizou o princípio da similitude e batizou a prática de “Homeopatia”. Há muitos séculos, portanto, os doentes buscam nessa prática alívio para suas queixas. Nenhum se curou até agora, mas a indústria de caixetas e estojinhos estilizados prospera a olhos vistos.


DENTISTA

Profissional da área médica que se dedica ao tratamento das enfermidades dos dentes.

Nota
        Pobre dentista! Além de trabalhar toda a jornada em pé, serve de bode expiatório para as moçoilas aflitas que vão passar as tardes com os amantes. Ou seja: cria fama e não deita na cama... Se bem que, de certo modo, merecem, né?. Ficam perguntando um monte de baboseiras e a gente se esgoelando pra responder, com a boca cheia de ferros, algodão, sugador....

Rodapé
Se dentista é especializado em dente, paulista é especializado em quê?


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