O que nunca foi dito com franqueza sobre as profissões


Profissão é o estado, condição social, papel de um indivíduo que exerce um emprego, ofício ou arte como meio de vida ou ocupação habitual, na qualidade de subordinado ou por conta própria e visando algum tipo de reciprocidade.

Da mesma forma, chama-se profissional uma pessoa que já tem inveterados certos hábitos ou vícios, a saber: “Bêbado profissional”, “Chato profissional”, Ladrão profissional”, “Puxa-saco profissional” e por aí vai.

“Profissão de fé” é uma declaração pública que alguém faz de suas opiniões políticas ou sociais.

É esse sentido lato — que privilegia a rotina, o hábito, a prática usual e metódica de um mister — que adotamos aqui para designar as profissões e as atribuições que a certas criaturas toca cumprir por escolha própria ou pelas inconstâncias da fortuna.

Não estranhe, pois, o leitor encontrar arrolados entre os tradicionais ofícios fabris e as artes criadoras alguns modos de vida cuja inclusão possa parecer inapropriada. É que — pela carga semântica, pelo poder evocativo que têm — seu agente os acolhe de forma tão pacífica e os protagoniza com tão inexcedível zelo, que não podem ser considerados como simples passatempo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

COMENTARISTA DE FUTEBOL

Intrujão que, despudoradamente, aceita remuneração para doutrinar sobre assunto que desconhece.

Comentário
        Nossa crônica futebolística é um monumental embuste. Seus arautos e escribas, quando muito, viram a bola de perto ao brincar com o cachorrinho de estimação ou ao comprar uma, no Natal, para o sobrinho, e, assim mesmo, tiveram-na apenas nas mãos e por pouco tempo. Como querem entender seus desígnios? Há falastrões e cafetões profissionais (arrogantes como eles só!) que ingressam no métier para conseguir rendosos negócios e outros, por fanatismo mesmo, pela nefanda atração pelos edmundos da vida. Não sabem da missa a metade. Não têm condições de perceber certas sutilezas; não têm a sabedoria inata do predestinado, nem o cacoete do ofício (dentro do campo, “o buraco é mais embaixo”. Nenhum deles, sem uma única e redentora exceção, tem conhecimento de causa sobre segredos e macetes que só quem jogou bola conhece bem, o que não os impede de discorrer longamente sobre desenhos táticos e outras baboseiras; e o fazem com pompa e gravidade. Cultuam idéias fixas com tal perseverança, que o leitor desavisado pode pensar que está lendo a matéria do ano anterior. Em que fonte milagrosa foram beber tamanha sabedoria e certeza, de cuja localização nem Shakespeare, nem Da Vinci jamais suspeitaram (e no caso do futebol, nem Pelé, nem Maradona)? Não se permitem as mínimas dúvidas que sustentaram as doutrinas de Sto. Agostinho e Descartes. Nos canais à cabo, uns balofinhos surgem à boca de cena atribuindo a um negro atarracado uma jogada executada por um ariano longilíneo com topete à Elvis Presley (quem já jogou, com dez minutos de partida é capaz de identificar cada atleta só pelo jeito de correr, de ajeitar a meia ou de tocar na bola).
        Outro dia, um desses balofinhos comentava — a propósito do “desenho tático”, da “leitura” de uma determinada partida — que um professor de Educação Física a quem ele muito admirava teria passado uma prova pedindo soluções para superar um esquema adversário de “espaço reduzido”. E, inspirado na lição desse mestre, ao corrigir a prova (em que se saiu bem – fez questão de frisar), passou a analisar o jogo em andamento... É a ferramenta desses caras. Ignoram que jogador não é um ser de outra galáxia, nem um termo de equação rabiscada em quadro-negro. Além de ser mais despreparado intelectualmente do que a maioria dos outros profissionais, também é corneado, tem caganeira, atrasa o pagamento das contas, leva bronca do sogro, etc. e leva a aporrinhação e as frustrações para o campo, o que interfere no seu desempenho. O que não leva, hoje em dia, é a técnica. São um bando de merdas... Mas como esses “analistas” nunca jogaram bola, acham que Giovani, Alex, Neto, Rivaldo, etc.. são craques. Nunca viram Zizinho, Puskas Di Stefano, Pelé, etc... Pegaram, quando muito, um Maradona em fim de carreira. De jogadores de elite, só viram Zidane, Ronaldinho Gaúcho e Messi, mas nem sabem distingui-los dos demais, e não se conformam com a existência de tão poucos no seu tempo. Então, como precisam mostrar serviço e ganhar dinheiro, volta-e-meia fabricam um Robinho... o falatório acadêmico deles serve tanto para o jogo em andamento quanto para o da semana passada em Liverpool ou o que será jogado ano que vem em Moscou, até mesmo para o totó da venda de seu Jurandir, ou aquela merda que se joga atualmente na praia.
        Outra hora é um presumido que, a propósito de duas botinadas, “faz odes à Lamartine”, mais parecendo, no entanto, poeta de almanaque de palavras cruzadas, o que não impede de ser consagrado pelos basbaques como “mestre”.
        Longe de mim fazer objeções à sinceridade de todos ou restringir-lhes o sagrado princípio do livre-arbítrio, acolhido em nossa Lei Maior, mas — para usar a linguagem do futebol — não sabem porra nenhuma de bola. A tática é a última coisa a considerar. Antes dela vem a técnica, a vontade de ganhar, o preparo físico e a inteligência.
        Façam seus comentários, sim. Todos têm direito. Mas façam no boteco ou na praia. Atrás de um microfone ou nas páginas de um jornal e, ainda por cima, remunerados é, para dizer o menos, falta de pudor. Se ainda soubessem escrever como José Lins do Rego, Mário Filho ou Nélson Rodrigues (andava-se com vagar e deleite por suas belas crônicas, embora estes também não entendessem patavina de futebol), vá lá. Como não entendem nada de futebol, nem rabiscam com talento, fariam melhor vendendo seu peixe em outra freguesia (De uns tempos para cá, a cada semana pipoca um livrinho de autoria de uma dessas sumidades — Os coleguinhas ajudam a divulgar, né?).
        Seja como for, suas análises técnicas não conseguem explicar certas reações como a militância insuperável do espírito de combate ou a clarividência do gênio. Esses enroladores nunca sentiram a sensação de entrar em campo, olhar em volta e ter certeza de que vão perder o jogo, não importando — nesse caso — o quanto vierem a lutar. Premonições, tiques, manias, tudo isso conta, e só quem está lá detecta. São coisas que não se explicam, não estão no Manual do Analista... o cabelo do ponta-esquerda é de um louro diferente... o cheiro da grama nunca chega à cabine. Nada disso, entretanto, impede tão hieráticos e infalíveis sabichões de adquirir sólida reputação, à custa, talvez, dessa coerente repetição de equívocos, bem mais fácil de absorver. Está lá a multidão nas arquibancadas, nas cadeiras, nas poltronas, nos bares — radinho de pilha ao ouvido —, esperando ser monitorada: o que vier eles traçam. Insisto na forte coerência que perpassa todo esse sistema, garantindo a hegemonia da debilidade mental, explorada, também e principalmente, por dois ou três que não se contentaram em arranjar um emprego fácil, mas tornaram-se milionários, tirando proveito de forma vergonhosa e voraz da indigência mental de gente sem discernimento suficiente para negar-lhes crédito. Esses especialistas como sofreram na Copa de 2002! Se o Brasil não ganha, babau! Mas a Inglaterra e a Alemanha jogaram com medo da gente, os picaretas continuam aí, lampeiros, vendendo suas mentirinhas. O patrocinador agradece.
(A partir de crônica do mesmo autor constante da 1ª edição (1999) do livro O Antigo Leblon – uma aldeia encantada, com alterações exigidas pela coerência temporal)

Pano rápido

“Em rapaz, conheci um sujeito que se dizia íntimo do universo feminino, sabia como abordar mulher na rua, o que dizer à mãe da noiva, como seduzir brotinhos e como agradar às putas. O cara nunca foi visto em companhia feminina; recusava-se, sempre e sob os mais diversos pretextos, a ir ao puteiro. O nome dele agora me escapa, mas lembro-me bem dos apelidos: “Rei da punheta” e “Teórico da foda”” (Paulinho Bezerra)


NARRADOR ESPORTIVO

Ufanista que ostenta — com pompas, estrépitos e fanfarras — a presunção mal fundada do próprio mérito, alardeando uma vã erudição de quem já teria apalpado o âmago de todas as coisas. Impostor cuja fatuidade é igual à cobiça com que...

        ... peraí, peraí! Esse texto é próprio para definir os galvõesbuenos mais desvairados. É claro que sempre há um ou outro locutor capaz de manter o justo equilíbrio das idéias e a harmoniosa conformidade dos sentimentos. É certo, também, que evitam demonstrá-lo, pois o bom senso os leva, igualmente, a preservar o emprego nesses dias tão bicudos...

Curiosidade

"Os locutores que lêem os Boletins de Guerra continuam gritando, fazendo discursos, vomitando trovões. Seria tão bom se as estações de rádio tivessem cronistas que ao pensarem no País se esquecessem dos reis, dos governantes e se voltassem para os poetas, músicos, pintores, escultores, arquitetos, artistas, filósofos, em todos os homens de espírito... e falassem neles, sorrindo". (Fon-Fon, 29/01/1944)


JOGADOR DE FUTEBOL

Praticante do balípodo ou ludopédio, filiado a uma confraria de cafajestes.

Comentário

        Os jogadores brasileiros formam uma casta que se quer privilegiada. Mais paparicados do que qualquer outro profissional — por adolescentes histéricas e retardadas, oligóides em geral, dirigentes homossexual-oportunistas, salafrários, carreiristas, politiqueiros, gananciosos ou, simplesmente, tolos movidos por idolatria feminóide —, meninos de origem pobre, subitamente catapultados ao cockpit de um bólido do último tipo e recebendo salários mensais de duzentos mil reais, não aceitam críticas ao seu destempero: o mundo é deles. Esperam ser julgados exclusivamente pelo seu desempenho profissional, por sua competência em fazer gols ou evitá-los. Seu caráter não estaria sujeito a avaliações. Calhando de quase assassinarem um colega com uma sola criminosa, o que estará em pauta será sua intervenção diante da possibilidade de sucesso da vítima, jamais o dolo, a predisposição patológica, a popular maldade; muito menos, a avaria decorrente do ato delituoso e covarde. Chamam o árbitro de 'professor' e pronto: é a única concessão (formal) que fazem ao respeito pelo semelhante. Como há enorme escassez de talentos, julgando-se inimputáveis no dia-a-dia, esses moços correm sério risco de serem ignorados pelos críticos e estes (se não continuarem inventando virtudes no perna-de-pau), por sua vez, de ficarem desempregados por falta do que comentar.
        Desagradável, também, a tendência a valorizar cada macacada, por mais banal que seja. O sujeito marca o quinto gol de uma surra no Arapiraca, num jogo amistoso, e rola, frenético, pela grama, aos urros, como se estivesse conquistando a Copa do Mundo; ou beija, com fervor de romeiro, o escudo da camisa do vigésimo terceiro clube que defendeu nos dois anos mais recentes. E os ritos tribais das comemorações? Improvisam coreografias que alcançam prodígios de oligofrenia coletiva. É claro que todo o mundo tem direito à sua cota de babaquice; o que se deve evitar é usufruí-la durante o expediente. Afinal, os aficionados pagam é para ver o jogo e supõe-se que seu dinheiro vai remunerar o atleta e que a obrigação de se empenhar esteja inserida no rol de deveres deste. Ninguém é tão dado a estrelismos e galinhagens como o artista de cinema ou de televisão, mas, na hora de representar, esmera-se em fazê-lo da maneira mais profissional possível. Coisa detestável aqueles braços ao alto insuflando a torcida, desatentos ao que ocorre em redor, ou a insistência com que pedem um cartão amarelo para o adversário, por conta de qualquer esbarrão, sem o menor pejo de procederem como delatores e farsantes! Alguns se atiram ao chão, aos prantos, com esgares de soldado ferido em filmes de carnificina, para ressuscitar em três tempos, ativos, sempre com a mãozinha abanando o imaginário cartão. E a abominável hipocrisia dos atletas de Cristo?...
        E que jogadores! Um dos mais famosos deles, o 'fenômeno', fecha os olhos na hora de chutar. Como todos os parceiros jogam em função dele, acaba fazendo alguns gols e acumulando homenagens que nem Pelé recebeu (Evaristo — que não foi nenhum Pelé — por três vezes sagrou-se campeão da Espanha e duas vezes conquistou a artilharia, diante de rivais como Di Stefano, Del Sol, Kubala. Quem fala disso?). Há fichinhas aos montes, desde Denilson até Rivaldo, passando por Alex & Cia. Dos novos, diziam maravilhas de Diego e Robinho. O primeiro, breve estará gordo como o tal do Neto... e enganando como ele. O segundo, corre o risco de pedalar muito sem nunca passar de replicante de Dener, outro enganador.
        A responsabilidade maior dessa canhestra avaliação pode ser atribuída à cultura jornalística atual: põem na pauta o Guga, o Popó, durante seus meteóricos brilharecos, e toca a vender o livro com o respaldo do Sistema Global de Divulgação. De outra forma, como vai vender pouco, ninguém se anima a escrever sobre Maria Ester Bueno e Éder Jofre (Sobre a gigantesca diferença de cartéis, vão dar uma olhadinha na Internet, por favor, que não cabe aqui).
        Some-se a tudo isso a interferência nefasta de espertalhões ditos 'empresários', que se associam a cartolas desonestos e técnicos idem, que colocam jogadores para atuar uma vez na seleção (contra a Venezuela, por exemplo), e valorizam o passe do atleta, que é vendido para clubes europeus, e a quadrilha racha a grana.
        Incluam-se aí as ´escolinhas` (futebol, o cara nasce sabendo, e deve brincar de jogar pelo menos até os treze, quatorze anos — disciplina, teoria antes dessa idade deforma a inclinação do jovem), também os paliteiros de praia, geridos por oportunistas despreparados exercendo comércio ilegal de mercadorias fictícias.
        Acrescentem-se gerentes desonestos que descontam tributos e contribuições dos salários dos jogadores, sem recolhê-los aos cofres públicos e a mixórdia está pronta para ser servida aos incautos.
        Com tudo isso, o mundo conheceu magníficos jogadores (o futebol sempre foi uma coisa bacana). Depois de Maradona, só Zidane, Ronaldinho Gaúcho e Messi teriam lugar entre eles... e só!
        Pobre futebol, vai mal das pernas. Um dia desses, vamos ver reproduzida nos jornais esta notícia veiculada pelo Jornal do Brasil, em 23/10/1915;

São constantes as reclamações que chegam ao Jornal do Brasil contra os jogadores do que chamam de football em plena rua, perturbando o transito, quebrando vidraças e dirigindo improperios entre si e contra as familias, que se vêm prejudicadas e impossibilitadas de chegar às janellas. E o peor é que tudo elles fazem bolas, até de pedras. A ultima reclamação chegada ao Jornal do Brasil veiu de moradores da rua do Rezende.


* Os maiores de todos os tempos, nas formações habituais:


Yashin, Leandro, Beckenbauer, Schirea, Breitner / Puskas, Cruyf, Maradona, Zizinho / Pelé, Di Stefano

Do Brasil:
Castilho, Leandro, Domingos, Figueiroa, Nilton Santos / Zizinho, Jair, Zico / Garrincha, Tostão, Pelé


(Editado e adaptado de crônica do mesmo autor constante da 1ª edição (1999) do livro O Antigo Leblon – uma aldeia encantada, com alterações exigidas pela coerência temporal)


TORCEDOR DE FUTEBOL

De ofício, aquele que torce as partidas de futebol.

Comentário

        Antigamente, as pessoas iam aos jogos de futebol com a intenção de ver a bola, os jogadores, as belas tramas e contentavam-se com seu papel de espectadores, o que não os impedia de gritar, torcer, comemorar, arrancar os cabelos e xingar o juiz. No entanto, parecia-lhes mais proveitoso e inteligente — sem abrir mão da frivolidade e da inconstância catárticas — assistir ao espetáculo, ao invés de fazer-lhe concorrência e oposição até, como é de praxe hoje em dia, com exibições grotescas de boçalidade, em que brutos fabricam surtos epiléticos, regem — de costas para o campo?! — coros de retardados tentando, desesperadamente, rimar dois vocábulos chinfrins de um arranjo em calão; isso quando não se encarniçam em combates animalescos. Fazem tudo, menos ver o jogo, esse detalhe desprezível, secundário. Onde surge ocasião para dar sentido à coletividade, aproveitam o pretexto para desagregá-la, despersonalizando e amesquinhando o indivíduo. Burros, desperdiçam, sem nenhuma compensação, a oportunidade raríssima de um confronto entre grupos sociais, raças, culturas, classes, que, no final, democraticamente, proporciona uma classificação hierárquica baseada nos méritos dos competidores.
(Editado e adaptado de crônica do mesmo autor constante da 1ª edição (1999) do livro O Antigo Leblon – uma aldeia encantada, com alterações exigidas pela coerência temporal)