O que nunca foi dito com franqueza sobre as profissões


Profissão é o estado, condição social, papel de um indivíduo que exerce um emprego, ofício ou arte como meio de vida ou ocupação habitual, na qualidade de subordinado ou por conta própria e visando algum tipo de reciprocidade.

Da mesma forma, chama-se profissional uma pessoa que já tem inveterados certos hábitos ou vícios, a saber: “Bêbado profissional”, “Chato profissional”, Ladrão profissional”, “Puxa-saco profissional” e por aí vai.

“Profissão de fé” é uma declaração pública que alguém faz de suas opiniões políticas ou sociais.

É esse sentido lato — que privilegia a rotina, o hábito, a prática usual e metódica de um mister — que adotamos aqui para designar as profissões e as atribuições que a certas criaturas toca cumprir por escolha própria ou pelas inconstâncias da fortuna.

Não estranhe, pois, o leitor encontrar arrolados entre os tradicionais ofícios fabris e as artes criadoras alguns modos de vida cuja inclusão possa parecer inapropriada. É que — pela carga semântica, pelo poder evocativo que têm — seu agente os acolhe de forma tão pacífica e os protagoniza com tão inexcedível zelo, que não podem ser considerados como simples passatempo.

sábado, 10 de janeiro de 2009

JORNALISTA (Ver Repórter)

        Integrante ou mentor de uma farsa goebbeliana cujo principal mandamento é exterminar as individualidades em troca de anistias fiscais e benesses variadas e aviltantes, que podem ir desde a manutenção da titularidade de colunas até uma orgia barata com uma messalina asquerosa.


Comentário

        Em 13 de junho de 1996, a Rede Globo fez publicar (pouco se lixando para as interpretações) a descarada e aterradora confissão de que, praticamente sozinha, elegeu Fernando Collor presidente da República. Dizia o anúncio de meia página:

“Como falar com milhões de consumidores que não têm telefone, fax, não têm o hábito de leitura, não recebem mala direta, não compram revista, não vão ao cinema, mas vão consumir US$ 89 bilhões em 96?”

        Ilustrava a resposta um imenso aparelho de televisão com a tela completamente tomada por uma multidão incalculável de informes criaturas que, obviamente e apenas, valiam pela expressão quantitativa. O anúncio acrescentava no rodapé este dado alarmante: “A Globo é o melhor veículo para atingir o consumidor de baixa renda com a máxima eficiência e rapidez, sendo também — segundo o Ibope —, em qualquer hora do dia, a preferida das classes com menor poder aquisitivo”.

        Tal mensagem torna patente que, nos lugares carentes de recursos e no interior dos estados mais pobres, as pessoas (tratadas pela organização como “consumidores”, se individualmente, e “classe”, no sentido coletivo) que dispõem de aparelhos de televisão estão sintonizadas na emissora com maior poder de fogo para alcançar os grotões mais longínquos do país.

        À Rede Globo, pois, os louros pela façanha de ter brindado o povo brasileiro com a dinastia de fernandos nefandos “escolhidos” pelas classes ‘c’, ‘d’ e ‘e’, com as quais não tinham a menor afinidade (paradoxo ou chalaça: em pobre cama, ricos sonos).

        Chama a atenção, além disso, o destaque gráfico dado à astronômica cifra de oitenta e nove bilhões de dólares. É dinheiro, caramba! Não são conchinhas ou gafanhotos! Por essa grossa cheta, salvo honrosas exceções, bilhões de seres humanos são capazes de trucidar — em os havendo — outro tanto de semelhantes e, de quebra, vender a mãe e esfolar o pai.

        Vale também enfatizar o cinismo de admitir e propagar a sedução do ganho (sim, porque o reclame ainda convidava os demais empresários a participar do “bolo do mercado” que iria consumir os tais e tantos bilhões) por conduzir a carneirada retratada na tela fictícia, pra lá e pra cá. Como a álea de risco em toda a atividade capitalista é compatível com o lucro, parece não sobrar espaço para escrúpulos e preocupações de natureza ética. Ah, o custo! Já está embutido no pacote; engloba, até, a contrariedade de aturar a imode­ração e a vanglória dos mandatários de plantão.

        Vista assim, a coisa parece simples. E é! Logicamente, há a elaboração prévia de um projeto que atenda aos interesses da plutocracia, um roteiro a seguir, cujo primeiro e principal mandamento consiste em exterminar as individualidades. Os mentores dessa farsa goebbeliana já leram Huxley e sabem que “quando o homem pensa, o sistema vacila”.

        Mordaça, então, para todo aquele que ousa pensar pela própria cabeça.

        O inimigo, com opinião própria, só tem influência sobre as criaturas fora da graça do Big Brother. Entretanto, com o intuito de dar uma aparência democrática ao negócio e posar de imparcial, a imprensa “mais vendida” publica, periodicamente, os textos de pensadores esclarecidos como Ubaldo, p.ex, obrigados a colaborar com os principais jornais do país à falta de outro meio que apregoe, com a merecida divulgação, suas idéias contestadoras. Mas, se lava a alma de uns poucos, chega a ser comovente o esforço desses brilhantes autores diante da oligofrênica indiferença do populacho submisso, o que se torna patético ao considerarmos que os idiotas são, exatamente, as principais vítimas desse monumental logro.

        Entrincheirados nos bunkers, os canalhas espreitam. Há que bloquear o acesso ao poder, do ser pensante que não serve a todos os senhores, não faz trato com o capeta e que, também, não almeja o poder. Embora lhes escape esse último detalhe, não dão azo a qualquer descuido: “Se o homem pensa, o sistema vacila”. A vigília vara a noite; o Grande Irmão “zela por ti”, munido de bons marqueteiros, com a eficiência midiática que ajuda a esquecer as promessas dos títeres aos quais foi outorgada procuração para executar o supremo programa. É a imprensa o veículo ideal para a consecução dos procedimentos necessários a assegurar a incolumidade do patriciado, e ela os executa manipulando fatos e números e fabricando ídolos e os chamados formadores de opinião, que devem tirar do ombro da ralé o pesado encargo de pensar e, de repente, por acaso, um dia... dar com a fraude. Não podem os poderosos correr esse risco e cuidam de providenciar uma chusma de imbecis de fácil reposição, que invadem os lares por meio de novelas cretinas, jogos de futebol, programas de variedades e debates enganosos. E vem tudo picotado, banalizado, para tirar o impacto das notícias prejudiciais aos seus intentos e valorizar o enfoque das eventuais boas-novas e das forjadas fórmulas que os mantêm no poder. A realidade cede terreno à encenação. Em vez de refletir a sociedade, esta é que se presta a espelho da mídia, para que possam transfigurar a vida numa “Vida de Truman”, em que todos são, ao mesmo tempo, atores e platéias de um grande espetáculo. E quanta gente impudica, quando cooptada, não se constrange em transformar sua privacidade em fato público, caso se cogite, por exemplo, de vender fraldas ou chuteiras.

        Vale assinalar, a propósito, que, recentemente e em decisão unânime, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o aparelho de televisão, quando único, é impenhorável. É o mesmo que dizer que são impenhoráveis as relações do indivíduo com o mercado de consumo. Indispensáveis, sempre pensei, são os alimentos... o do corpo e o da alma.

        O banquete que a mídia oferece à plebe ignara, metodicamente engambelada pelos vanguardeiros da nova ordem liberalizante inspira-se no receituário exemplificado por Orwell, em “1984”, particularmente a “novilíngua”. A imprensa escrita/falada/televisada impede o desenvolvimento da linguagem, ferramenta primeira do aprimoramento da civilização; inibe o enriquecimento da consciência crítica. Se não acrescentarmos um argumento à discussão, não será possível estabelecer padrões de julgamento.

        Pra que pensar?


(Texto inspirado em crônica do autor, do livro Sem caminhos de volta, 2000)

Um comentário:

  1. Rogerio,

    Parabens pelo blog. Ótima ideia. Vou divulgar.
    Excelente texto. Quanta falta faz à população o senso critico.
    Sucesso.
    Abs,

    TC

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