O que nunca foi dito com franqueza sobre as profissões


Profissão é o estado, condição social, papel de um indivíduo que exerce um emprego, ofício ou arte como meio de vida ou ocupação habitual, na qualidade de subordinado ou por conta própria e visando algum tipo de reciprocidade.

Da mesma forma, chama-se profissional uma pessoa que já tem inveterados certos hábitos ou vícios, a saber: “Bêbado profissional”, “Chato profissional”, Ladrão profissional”, “Puxa-saco profissional” e por aí vai.

“Profissão de fé” é uma declaração pública que alguém faz de suas opiniões políticas ou sociais.

É esse sentido lato — que privilegia a rotina, o hábito, a prática usual e metódica de um mister — que adotamos aqui para designar as profissões e as atribuições que a certas criaturas toca cumprir por escolha própria ou pelas inconstâncias da fortuna.

Não estranhe, pois, o leitor encontrar arrolados entre os tradicionais ofícios fabris e as artes criadoras alguns modos de vida cuja inclusão possa parecer inapropriada. É que — pela carga semântica, pelo poder evocativo que têm — seu agente os acolhe de forma tão pacífica e os protagoniza com tão inexcedível zelo, que não podem ser considerados como simples passatempo.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

INVASOR DO LEBLON

Invasor rastaquera e novidadeiro que acabou com o sossego do bairro.

Comentário

        A Rua Dias Ferreira, antiga Rua do Pau, foi a via pela qual se iniciou a urbanização do Leblon; a rota por onde abriu caminho o bonde que iria tornar o Leblon um bairro independente, transformá-lo numa aldeia encantada habitada por gente simples e divertida, cujos ícones foram, aos poucos e lamentavelmente, sendo substituídos por semideuses e quetais, compilados numa idolatria de fancaria, impostos por usurpadores novidadeiros e ardilosos. A tranqüila e saudosa Rua do Pau emblematiza, hoje, a vulgaridade ostentosa do voyeurismo itinerante.
        O lacre foi violado nos anos sessenta com a especulação imobiliária travestida de progresso e a ocupação dos bares pela intelligentsia irrequieta, cansada de baldear por Copacabana e Ipanema, juntamente com sua tripulação de cumprimenteiros, e, mais recentemente, pelo trottoir das celebridades e de seu cortejo de tietes e moscas-de-padaria a reverenciar hábitos e valores estranhos aos dos antigos moradores — Surgiram, então, templos exóticos badalados pela parte da mídia refém da bajulação e da trivialidade.
        O fulgor das cabeças pensantes e a fosforescência arrebicada da peruagem emprestaram à aldeia uma celebridade que teve o mesmo efeito devastador do prospecto imobiliário. O velho e doce Leblon viu-se conspurcado pelos hábitos nocivos dessa cultura híbrida, pizza mezzo a mezzo de fatuidade e hipocrisia, de arranjo e gosto duvidosos, e os nativos perderam-se no anonimato, ou sumiram sem deixar pistas — É que os componentes daqueles grupos têm um cacoete comum a todos os descobridores, qual seja uma xenofobia às avessas, corrupta e insolente, que se manifesta pela injustificada e imediata rejeição da cultura local e se consolida mediante a imposição de novos ícones e ídolos
        Antes de se tornar via migratória e serventia da diáspora rastaquera e, também, point de agito de arrivistas, intelectuais de araque e arruaceiros, o Leblon foi um bairro muito sossegado e bacana. O monumental silêncio só era quebrado pelo coro da gataria, pelas vozes de uns poucos notívagos a caminho do botequim ou pelo ranger dos bondes nos trilhos — belos bondes, que passeavam pela Rua Dias Ferreira, em cuja cadência a aldeia encantada bamboleava sua preguiça, e, nos bancos, o namoro custava a acabar! Saíram dos trilhos. Sumiram. Em seu lugar, transita, hoje, uma malta de romeiros automatizados, flutuando a um milímetro da discórdia.
        (Texto publicado no Anuário 89 anos do Leblon, editado e adaptado de crônicas do livro
O Antigo Leblon – uma aldeia encantada, de Rogério Barbosa Lima)


Nota


Chega, então, o D. João VI Pindorâmico, para arrasar de vez com o cenário, reconfigurando o PR (“Ponha-se na rua”). Encarnado em famoso noveleiro, também portador de ostentosa (e manoelcarlesca) pança, sepulta sob as mal traçadas o que restava dos encantos e da singeleza compartilhados pelos velhos moradores, abrindo — com fanfarras e lantejoulas e definitivamente — ruas e praças aos invasores (amigos e inimigos) de todos os credos, raças e cores. Sua Excelentíssima Barrigância, com o apoio Global, fez do Leblon cenário definitivo de uma patuscada promovida por arrivistas e festeiros, estimulada por associações, entidades e ongues, dirigidas por oportunistas sem compromisso com as tradições do bairro e referendada pela maioria dos cronistas/colunistas de cadernos e suplementos do jornal mais vendido, jornalistas esses órfãos de idéias e reféns da bajulação, da trivialidade e do convidativo recurso de bisbilhotar a carta lacrada que os convencionais passam de mão em mão.
Soube-se, recentemente, pela mesma panelinha, que aquela eminente barrigância fixou residência em Búzios (e a gente pensando que ele gostava do Leblon) e promete investir no balneário, exaltando as virtudes locais com igual denodo e oportunismo (subliterariamente falando, é claro).
O estrago que fez por aqui não tem conserto. Como modesta compensação para a gente autêntica do Leblon, resta saber que tocará aos argentinos experimentar um pouco da maldita xaropada e suas conseqüências. Vão ver o que é bom pra tosse...


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